Emocionante poema do ex-senador paraibano, Ronaldo Cunha Lima. Esses versos foram recitados pelo então senador, no congresso de violeiros de Petrolina, realizado no ano o centenário da cidade.
Após a apresentação do senador, o povo o aplaudiu de pé. Foi um momento inesquecível para mim, que estava lá na plateia naquela ocasião
CONVERSANDO COM MEU PAI
Na quietude d'aquela noite
densa,
Reclamei numa saudade a
presença
Do meu Pai, que há muito já
morreu!...
Sorumbático e só, fiquei na
sala,
Sem ouvir de ninguém uma só
fala:
Todos dormiam entregues a
Morfeu.
Continuei sozinho da
vigília,
Contemplando a placidez da
mobília,
Num silêncio quase que
perfeito;
Quebrado apenas com o gemer
da rede,
As pancadas do relógio na
parede
E o pulsar do coração dentro
do peito.
De repente, coberta com um
véu,
Uma nuvem nascia lá do céu,
E na sala onde eu estava,
caí...
Era algo de espanto
realmente
Dissipa-se a nuvem
lentamente
E vai surgindo a imagem do
meu pai.
Boa noite, meu filho! E se
assusta?
Tenha um pouco de calma,
porque custa
Novamente voltar por este
trilho:
Eu rompi os umbrais da
eternidade
Para, em braços de amor e de
saudade,
Conversar com você, querido filho!
Tenho assistido todos os
seus passos,
Suas lutas, vitórias e
fracassos,
Em ânsias que não posso mais
contê-las:
Eu lhe assisto, meu filho,
todo dia,
Em suas vitórias choro de
alegria
E as lágrimas transformam-se
em estrelas.
Tenho visto também seus
sofrimentos
Suas angústias, dores e
tormentos
E esperanças que foram já
frustradas;
Tenho visto, meu filho, da
eternidade,
O desencanto de sua mocidade
E o pranto de suas
madrugadas.
Compreendo, também, sua
tristeza
Ante a ânsia que traz na
alma presa
De adejar cortando monte e
serra;
Sua ânsia de voar, cantando
notas,
Misturar seu vôo ao das
gaivotas,
Que beijam os céus sem
deixar a terra
Mas, ao lado dos atos de
grandeza,
Você me causa, filho, também
tristeza,
Em desgosto minh'alma já
flutua:
Ontem, porque não estava
pronta a ceia,
Pra sua mãe você fez cara
feia,
Bateu a porta e foi jantar
na rua.
Você não soube, meu filho, e
no entanto,
Ela caiu prostrada em um
pranto
Soluçando seu íntimo
desgosto.
Nunca mais, meu filho, isto
faça,
Pois para um filho não há
maior desgraça
Que em sua mãe deixar rugas
no rosto.
Nunca mais a ofenda, nem de
leve!...
O seu amor a ele aos céus
eleve
E escute sempre, sempre o
que ela diz.
Peça a Deus para durar sua
existência
E, se assim fizer de
consciência,
Você, na vida, tem que ser
feliz.
Conduza-se na vida com
altivez,
Fazendo da probidade, da
honradez,
Para você o seu forte
brasão;
Aprofunde-se, meu filho, no
estudo,
Fazendo da justiça o seu
escudo,
E amando o povo como ao seu
irmão.
Continue no trabalho a que
se entrega
Sem temer obstáculo nem
refrega,
Pois com a vitória sempre
você vai,
E se assim fizer, querido
filho,
Sua vida há de ser toda de
brilho,
E honrará o nome de seu pai.
E nisso a nuvem
comoventemente,
Aos poucos se junta
novamente,
Envolvendo meu pai num denso
véu;
E num olhar tão meigo e bem
sereno,
Dirige para mim um triste
aceno
E vai de novo subindo para o
céu!
E eu fiquei chorando de
saudade,
Alimentando aquela
ansiedade,
Sem poder abrandá-la. Que
castigo!
Por isso nunca mais dormi.
Vivo na ânsia,
Esperando que meu pai rompa
a distância,
Pra vir de novo conversar comigo