Os poetas Edmilson Ferreira e Antonio Lisboa, criticam a ganância humana no mote:
Pra que tanta riqueza se a pessoa/Nada leva daqui pra sepultura?
EDMILSON FERREIRA
Muitas vezes, sozinho, eu me
pergunto:
Pra que tanta riqueza se
depois
Que o caixão encostar e
couber dois
O amigo melhor não quer ir
junto?
Pra que cara fragrância se o
defunto
Não exige perfume da
“natura”?
Mesmo a alma é cheirosa
quando é pura
Mas o cheiro do corpo ainda
enjoa
Pra que tanta riqueza se a
pessoa
Nada leva daqui pra
sepultura?
ANTONIO LISBOA
Pra que casa cercada de
muralha
Se a cova é cercada pelo
pranto?
Se pra Deus todos têm do
mesmo tanto
Tanto faz a fortuna ou a
migalha.
Pra que roupa de marca se a
mortalha
Não requer estilista na
costura?
Se o cadáver que a veste não
procura
Nem saber se a costura ficou
boa
Pra que tanta riqueza se a
pessoa
Nada leva daqui pra
sepultura?
EDMILSON FERREIRA
Pra que eu me esconder detrás
de um pão
Se a miséria não bate em
minha porta?
Pra que eu me cansar regando
horta
Se amanhã ou depois já é
verão?
Pra que eu confiar no coração
Sem saber quanto tempo a
vida dura?
Se a ferida da alma não tem
cura
Quando é a ganância que a
magoa
Pra que tanta riqueza se a
pessoa
Nada leva daqui pra
sepultura?
ANTONIO LISBOA
Pra que eu inventar de ser
afoito
Se eu não tenho coragem pra
vencer?
Pra que eu comprar queijo
sem poder
Se na mesa tem pão, ovo e
biscoito?
Pra que eu colocar um trinta
e oito
Entupido de bala na cintura?
Se a razão é a arma mais
segura
Ter sossego é melhor do que
coroa
Pra que tanta riqueza se a
pessoa
Nada leva daqui pra
sepultura?
EDMILSON FERREIRA
Pra que eu toda hora dar
balanço
No que eu tenho ou andar
atrás de bingo?
Pra que tanta hora extra no
domingo
Se Deus fez esse dia pro
descanso?
Pra que eu trabalhar igual
boi manso
Se a chibata do dono me
tortura?
Pra que eu reclamar da minha
altura
Se o que a mão não alcança,
Deus me doa?
Pra que tanta riqueza se a
pessoa
Nada leva daqui pra
sepultura?
ANTONIO LISBOA
Pra que eu ter mansão no
Litoral
Se um rancho está bom no pé-de-serra?
Se eu fizer prédio alto aqui
na Terra
Lá no céu vai faltar
material
O meu curso maior foi o
Normal
O meu livro tem sido a
Escritura
Pra que eu aprender
Literatura
Se a palavra de Deus me
aperfeiçoa?
Pra que tanta riqueza se a
pessoa
Nada leva daqui pra
sepultura?
EDMILSON FERREIRA
Eu não sei pra que toda essa
ganância
De querer-se o poder a
qualquer custo
Se diante de Deus poder ser
justo
É gozar da nobreza em abundância
Querer bem é o bem da importância
Mas acúmulo de bens é
desventura
Porque não há ninguém com
estrutura
Que a ferrugem do tempo não
corroa
Pra que tanta riqueza se a
pessoa
Nada leva daqui pra
sepultura?
ANTONIO LISBOA
O desejo de grandes e
pequenos
É um dia poder ter uma casa
Mas a fonte de renda quando é
rasa
É melhor viver mais e sonhar
menos
Pra que eu requerer tantos
terrenos
Em paróquia, cartório e
prefeitura
Se em menos de um metro de
largura
Cabe até um caixão tipo
canoa
Pra que tanta riqueza se a
pessoa
Nada leva daqui pra
sepultura?
EDMILSON FERREIRA
Não sou dono de ônibus nem
de trem
Mas enquanto eu puder me
locomovo
Pra que eu invejar um carro
novo
Se o transporte final nem
rodas têm
Nem me avisa dizendo quando
vem
Porém anda na minha captura
Bem abaixo da sua cobertura
Ele tem quatro asas, mas não
voa
Pra que tanta riqueza se a
pessoa
Nada leva daqui pra
sepultura?
ANTONIO LISBOA
Pra que eu com dois olhos na
barriga
Se os da cara já são
suficientes?
Pra que eu invejar os meus
parentes
Se já sei que o retorno é
uma intriga?
A formiga que evita ser
formiga
Cria asas, e se torna
tanajura
Cresce a bunda demais, cria
gordura
Fica muito pesada e cai à
toa
Pra que tanta riqueza se a
pessoa
Nada leva daqui pra
sepultura?
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