Mote:
VOU NO
TREM DA SAUDADE TODO DIA
VISITAR O
LUGAR QUE FUI CRIADO
Versos improvisados
por João Paraibano, quando cantava na ocasião com Raimundo Caetano, num
festival de cantadores.
NO VAGÃO
DA SAUDADE EU TENHO IDO
VER A CASA
QUE EU ANTES NASCI NELA
UMA LATA
DE FLORES NA JANELA
A PAREDE
DE TAIPA, O CHÃO VARRIDO
MILHO MOLE
ESPERANDO SER MOÍDO
NUMA
MÁQUINA DO “VÊIO” ENFERRUJADO
QUE APESAR
DA PREGUIÇA E DO ENFADO
MÃE BOTAVA
DE POUCO E EU MOÍA
VOU NO
TREM DA SAUDADE TODO DIA
VISITAR O
LUGAR QUE FUI CRIADO
VOU PRA
VER NESSA CASA QUE FOI MINHA
MINHA REDE
JÁ “PENSA” DE UMA BANDA
A CALÇADA
NA PORTA DA VARANDA
UM BUEIRO
DE LATA NA COZINHA
MÃE
PRENDENDO OS DOIS PÉS DE UMA GALINHA
NUM CORDÃO
DE ALGODÃO DESCAROÇADO
UM ESPETO
CHEIRANDO A MILHO ASSADO
E UM CUSCUZ
FUMAÇANDO NA BACIA
VOU NO
TREM DA SAUDADE TODO DIA
VISITAR O
LUGAR QUE FUI CRIADO
LEMBRO A
BOCA REDONDA DA CUMBUCA
QUE MAMÃE
TIROU SAL PRO ALIMENTO
A “VASSOURA”
DO RABO DE UM JUMENTO
ESPANTANDO
UM ENXAME DE MUTUCA
UM CANCÃO
DESARMANDO UMA ARAPUCA
UM CANÁRIO
CANTANDO ENGAIOLADO
UM
CACHORRO LATINDO ACOCORADO
SEM COBRAR
UM TOSTÃO PRA SER VIGIA
VOU NO
TREM DA SAUDADE TODO DIA
VISITAR O
LUGAR QUE FUI CRIADO
EU NÃO
POSSO ESQUECER QUE UM ROUXINOL
DESSA CASA
TAMBÉM FOI HABITANTE
MÃE
RASGANDO UM PEDAÇO DE BRAMANTE
PRA BOTAR
UM REMENDO NUM LENÇOL
PAI
VOLTANDO DA ROÇA AO POR-DO-SOL
COCHILANDO
COM O PESO DO ENFADO
COM UM PÉ
SEM CHINELO, OUTRO CALÇADO
UMA MÃO
OCUPADA OUTRA VAZIA
VOU NO
TREM DA SAUDADE TODO DIA
VISITAR O
LUGAR QUE FUI CRIADO
TODA NOITE
EU ME LEMBRO DE LEMBRAR
DE UM PIÃO
ENROLADO ATÉ NO MEIO
MÃE
BOTANDO CARVÃO NUM NINHO CHEIO
PRA
NINHADA DA FRANGA NÃO GORAR
UMA GATA
LAMBENDO UM ALGUIDAR
COM O
CABELO DA TESTA PENTEADO
DEPOIS IA
PRA CIMA DO TELHADO
NA CERTEZA
QUE O GATO TAMBÉM IA
VOU NO
TREM DA SAUDADE TODO DIA
VISITAR O
LUGAR QUE FUI CRIADO